Fonte: Institute for Ethics and Emerging Technologies (IEET)
Data da primeira publicação: Jun 2012 (inglesa)

Estaria a humanidade acelerando em direção... Ao apocalipse? Ou à utopia?

Entrevista com David Pearce

Será que o futuro irá nos prover com um jubiloso paraíso geneticamente pré-programado, ou com uma catástrofe global?
Haverá um fim para todos os sofrimentos, ou toda a vida inteligente será aniquilada?

A história da futurologia não é encorajadora. A maioria das “previsões” realizadas por futuristas estão mais próximas às profecias que revelam sobre a personalidade, preocupações e a capacidade para satisfação dos desejos do autor, do que sobre o futuro que se propõem a descrever.

Em todo caso, prever o comportamento futuro de agentes auto-reflexivos não é o mesmo que prever o comportamento de sistemas físicos não inteligentes. Algumas previsões são autorrealizáveis; ao passo que outras invalidam a si mesmas; e os prognósticos públicos de políticos, cientistas sociais, singularitarianos e transumanistas deveriam todos ser vistos sob essa luz.

Tendo isso em mente, aqui vai...

Risco existencial?
Penso que a maior fonte subjacente de risco existencial catastrófico global encontra-se em primatas humanos do sexo masculino, os quais fazem aquilo que a evolução os “projetou” para fazer, i.e., a guerra. Infelizmente, hoje temos armas termonucleares para realizá-la.

Notícias ruins?
Receio que estejamos caminhando sonambulamente em direção ao abismo. Alguns dos trilhões de dólares em armamento que estamos estocando, o qual foi projetado para mutilar e matar seres humanos rivais, serão utilizados em conflitos armados entre Estados-nação. Dezenas de milhões, ou, possivelmente, centenas de milhões de pessoas podem perecer em uma guerra termonuclear. Existem múltiplos pontos críticos possíveis. Não sei dizer se uma catástrofe global é passível de ser evitada. Por razões evolutivas, seres humanos do sexo masculino são biologicamente predispostos à competição e violência. Talvez a medida de prevenção menos sociologicamente implausível seria a transferência voluntária do monopólio da violência atualmente reivindicado pelos agentes estatais às Nações Unidas. No entanto, eu não contaria com esse tipo de cedência de poder deste lado de cá do Armageddon.

Boas notícias?
Provavelmente eu soe como um otimista ingênuo. Eu antecipo um futuro pautado por uma engenharia do paraíso. Uma espécie de robô orgânico recursivamente auto-aperfeiçoante está em vias de dominar o seu código-fonte genético e progredir rumo ao vasto espectro da superinteligência. A biologia do sofrimento, envelhecimento e das doenças em breve será história. Uma disciplina futura, a biologia da compaixão, substituirá a biologia da conservação. Nossos descendentes serão animados por gradientes de felicidade geneticamente pré-programada de ordens de magnitude muito mais ricas do que qualquer coisa psicologicamente acessível hoje em dia. Portanto, em alguns séculos, nenhuma experiência abaixo do “zero hedônico” poluirá o cone de luz à nossa frente.

Freeman Dyson profetiza que, em pouco tempo, estaremos “escrevendo genomas tão fluentemente quanto Blake e Byron compuseram versos”. Se assim for, não tenho certeza quanto a escalas de tempo. Contudo, uma inteligência artificial “estreita” e poderosas ferramentas de softwares de autoria de genes, muito em breve, permitirão que os seres humanos editem o nosso próprio código-fonte genético em ciclos de aceleração de auto-aperfeiçoamento recursivo. Como consequência, a inteligência humana será progressivamente amplificada e enriquecida. Por um lado, juventude, vitalidade e expectativas de vida serão estendidas indefinidamente. Por outro lado, sofrimento, depressão e experiências abaixo do “zero hedônico” serão relegados à história. Do mesmo modo, certos traços humanos tais como fraqueza de vontade, a luta por sentido e significado, déficits de empatia quase sociopáticos, e uma série de estados mentais medíocres que, atualmente, são tomados como saúde mental, gradualmente irão se tornar opcionais conforme abrimos caminho em direção à pós-humanidade.

Não menos importante é o fato de que um domínio crescente de nossos circuitos de recompensa biológicos permitirá que o limite superior das “experiências de pico” humanas seja impelido a alcançar patamares inimaginavelmente mais altos. De maneira similar, os set-point hedônicos poderão ser geneticamente recalibrados. A vida quotidiana, ainda neste século, será potencialmente animada por gradientes de felicidade inteligente.

Indubitavelmente, os críticos bioconservadores temerão que “algo de valor seja perdido” quando os futuros pais responsáveis pararem de jogar roleta genética conforme a revolução reprodutiva de “bebês projetados” se desenrola. Os pais de amanhã vão optar pelo diagnóstico genético pré-implantacional e por “zigotos projetados”, com vistas a garantir uma saúde física e mental imbatível aos seus futuros filhos. Entre os jovens adultos, novos estados de consciência, tão diferentes quanto acordar de um sonho, possivelmente migrarão de fármacos psicodélicos, os quais, hoje em dia, agem na contracultura científica, para a sociedade mainstream. Por conseguinte, as “bad trips” tornar-se-ão fisiologicamente impossíveis, uma vez que suas assinaturas moleculares não estarão presentes.

Infelizmente, faltam palavras nesse ponto. A consciência pós-darwiniana provavelmente é incompreensível para o Homo sapiens arcaico.

No que concerne à Ética, acredito que a maior mudança moral porvir, ainda neste século, poderá ser a revolução antiespecista. Essa transição global provavelmente sucederá, em vez de preceder, a comercialização de uma carne in vitro de primeira qualidade e o fim da criação intensiva de animais e da indústria da morte. Há de se ressaltar que o antiespecista não reivindica valor igual aos membros de todas as espécies. Ele argumenta que seres com senciência equivalente possuem valor igual. Portanto, devem ser tratados em conformidade – independentemente de seu gênero, raça ou espécie.

Porcos, ovelhas e vacas possuem uma senciência equivalente a de bebês humanos, crianças que estão na fase pré-linguística, vítimas do Mal de Alzheimer e indivíduos com graves deficiências mentais. Somente um viés antropocêntrico arbitrário nos levaria a matar, abusar e explorar os primeiros e resguardar os últimos. Apesar de sua inteligência superior, suspeito que nossos netos venham a ter dificuldades para compreender aquilo que os seus avós faziam com outros seres sencientes.

Inteligência Artificial Genérica (IAG)? Ben Goertzel formulou uma linha do tempo para o desenvolvimento de IAGs.

  • 2023 – IAG nível humano
  • 2026 – imposição de uma “IAG Babá” global para rechaçar riscos existenciais.
  • 2030 – Singularidade, administrada pela IAG Babá.
Bem, eu diria [que essa IAG] é uma forma de projeção antropomórfica de nossa parte para atribuir inteligência ou mente a computadores digitais. Os crentes na senciência digital, sobretudo em uma (super) inteligência digital, precisam explicar o Paradoxo de Moravec.

Certamente, computadores digitais podem ser utilizados para criar modelos de tudo, desde condições meteorológicas, até as reações termonucleares do Big Bang. Entretanto, por que, digamos, uma abelha é mais bem sucedida ao navegar em seu ambiente em contextos de campo aberto do que o robô artificial mais avançado que o Pentágono é capaz de construir hoje? O sucesso evolutivo das formas de vida biológicas, desde a explosão cambriana, tem ativado a capacidade computacional de robôs orgânicos de resolver o problema da ligação [binding problem] e gerar simulações em tempo real de referência moral cruzada da mente independente do mundo.

Em termos teóricos, prevejo que os computadores digitais clássicos nunca serão capazes de produzir mentes fenomenais unitárias, “si mesmos” unitários, ou mundos virtuais unitários. Em resumo, os computadores digitais são zumbis invencivelmente ignorantes. Devido a sua própria natureza, eles jamais poderão “despertar” e explorar as numerosas variedades de senciência.


Original Title: Is Humanity Accelerating Towards… Apocalypse? Or Utopia? – Interview with David Pearce.
Brazilian Portuguese Title: Estaria a humanidade acelerando em direção... Ao apocalipse? Ou à utopia? – Entrevista com David Pearce.
Author: David Pearce (2012)
Technical Review by: Ana Paula Foletto Marin (2013)
Translation by: Gabriel Garmendia da Trindade (2013) see too 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 & 10.



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