Publicado pela primeira vez por Interview Magazine
(Hedweb transcrição)
Data: fevereiro de 2022

Após muitos ganhos com criptomoedas, Olaf
Carlson-Wee quer mudar o mundo.
Por David Pearce


Possuir uma grande riqueza em criptomoedas certamente é uma coisa boa, mas Olaf Carlson-Wee, um profeta do Bitcoin e fundador da empresa de investimentos em blockchain Polychain Capital, tem projetos maiores do que garantir sua fortuna. O nativo de Minnesota, de 33 anos, quer tornar o mundo um lugar muito-muito melhor. Nesta entrevista, ele conversa com o filósofo e colega transumanista David Pearce sobre o futuro das finanças, suas visões controversas sobre a edição genética para prolongar a vida e o fim de todo sofrimento.

DAVID PEARCE: Bom te ver, Olaf. Saudações de Brighton, na Inglaterra.

OLAF CARLSON-WEE: Estou em Manhattan. Muito animado para conversar.

PEARCE: Pensei em começar deixando as pessoas saberem como nos conhecemos.

CARLSON-WEE: Eu era estudante de graduação na Vassar College, no norte do estado de Nova York, quando encontrei seu arquivo por acaso. Não lembro como o encontrei, mas continuei lendo todos esses ensaios incríveis e percebi que eles faziam parte dessa enorme rede de sites. Isso deve ter sido por volta de 2010 ou 2011, bem na época em que comecei a me interessar por criptomoedas. Trocamos um e-mail e não nos reconectamos por anos após isso. Então comecei um empreendimento no mundo das criptomoedas. Primeiro, me envolvi com a Coinbase [uma plataforma de negociação de criptomoedas]. Na época, era um negócio muito incipiente e inicial, funcionando em um apartamento em San Francisco. Fiquei por lá três anos e meio e depois iniciei meu negócio atual, Polychain Capital, que é uma empresa de investimento no espaço de criptomoedas. Na Polychain, começamos uma série de palestras chamada Strange Genius em 2018. A ideia era trazer pensadores de fora, pessoas que têm ideias realmente interessantes sobre arte ou tecnologia ou como o mundo pode ser melhorado. Pensei em você imediatamente. Foi quando pela primeira vez você veio a San Francisco e conseguimos nos encontrar pessoalmente. Inclusive, ficaria grato caso você pudesse dar um breve resumo das coisas que você escreveu que me deixaram tão animado quando ainda era estudante de graduação.

PEARCE: Certo, obrigado. Bom, em 1995, escrevi um manifesto online, "O Imperativo Hedonista", que, apesar de seu título um tanto debochado, tem como objetivo ser moralmente sério. Essencialmente, ele descreve como poderia ser possível eliminar a biologia da dor e do sofrimento em favor de uma nova arquitetura da mente - a vida baseada inteiramente em gradientes sensíveis à informação de bem-estar e, eventualmente, na felicidade super-humana. Além das coisas transumanistas filosóficas, também fiz trabalho prático em coisas como o bom guia de drogas, que dá uma visão geral de diferentes intervenções farmacológicas com interesse em elevar os limiares de dor, bem como trabalhos em impulsionadores genéticos, carne cultivada e assim por diante, porque o projeto abolicionista é sobre a abolição do sofrimento em toda vida sensível, não apenas humanos. Essencialmente, meu objetivo é colocar meu trabalho no domínio público para que jovens influenciadores como você possam manter o projeto. Uma coisa que temos em comum é que nossas paixões se opõem ao pensamento convencional. Isto posto, até que ponto isso tem sido um tema consistente em sua vida? Como você supera os céticos?

CARLSON-WEE: Essa foi, de fato, a reação de quase todo mundo na minha vida em 2011, quando me envolvi pela primeira vez no mundo do Bitcoin. Eu decidi escrever minha tese de graduação sobre criptomoedas - a tecnologia e as implicações sociais do que aconteceria caso ela crescesse substancialmente. Meus professores estavam muito céticos em relação a todo o conceito. Ninguém nunca tinha ouvido falar de Bitcoin ou criptomoedas. Mas durante toda a minha vida, me senti um pouco alienígena. Nasci e fui criado no interior de Minnesota. Meus pais eram pastores luteranos. Assim, tive que procurar meios de comunicação e recursos alternativos on-line para aprender sobre coisas que não estavam diretamente ao meu redor em um mundo que era igreja, escola e futebol. Descobri que quando você se apega à sua própria intuição, geralmente obtém o melhor resultado. É preciso estar ancorado na realidade e garantir que está sendo analítico em seu pensamento. Ao mesmo tempo, seguir a própria intuição, mesmo quando não tem certeza de onde ela vai levar. Certamente isso foi fundamental para encontrar o caminho que quero seguir. Bem, você realmente aderiu a muitas ideias que as pessoas podem achar não apenas desinteressantes, mas moralmente repreensíveis. Como você lidou com os haters?

PEARCE: Os haters são minoria. A maioria das pessoas, quando se depara com a ideia de eliminar completamente o sofrimento, pensa em utopia. Surpreendentemente, a oposição mais comum que encontrei é sobre a eliminação de predadores como leões e tigres. Acho que teremos que reprogramá-los geneticamente. Algumas pessoas ficam absolutamente chocadas com essa ideia, mas se somos moralmente sérios em relação a acabar com o sofrimento, teremos que editar nosso código genético-fonte. Isso acaba evocando acusações de eugenia. Mas acho que todos os futuros pais devem ter acesso à triagem genética pré-implantação e aconselhamento e em breve edição do genoma CRISPR, substituindo a loteria genética de hoje. Tecnicamente falando, isso é eugenia. Contudo, eu não gosto do termo em vista da história do século XX – pois ele pode desencadear alguns sentimentos estranhos. Assumi que minhas opiniões eram essencialmente impraticáveis. Então, a World Wide Web surgiu e percebi que era possível levar essas opiniões a uma audiência global. Pois bem, me diga, o que te interessou no Bitcoin quando você estava na faculdade?

CARLSON-WEE: Eu entrei na faculdade em 2008, durante a onda da crise financeira dos derivativos. Havia um sentimento de que todo o sistema estava distorcido contra o pequeno investidor, e que os interesses primários dos sistemas financeiros e de Wall Street estavam lá apenas para o benefício deles e não para o nosso benefício enquanto pessoas comuns. Isso me fez pensar sobre quem controla o sistema monetário. O Federal Reserve, como se constata, é uma entidade pseudo-privada que controla o dólar. E são funcionários não eleitos que determinam qual é o valor do dólar e como os bancos podem pegá-lo emprestado. Coisas assim têm implicações massivas para toda a economia global. Quando comecei a me interessar por Bitcoin, não tinha uma visão clara de como tudo iria se desenrolar. Mas eu tinha um sentimento intuitivo de que, se pudéssemos reescrever o sistema econômico e financeiro global com um substrato baseado em software que fosse executado por um algoritmo que ninguém controlasse, ao invés de um sistema de banco central, haveria uma enorme transferência de riqueza das elites tradicionais para aqueles na esfera da criptomoeda. Nos últimos dez anos, vimos isso acontecer de uma maneira bastante significativa. A parte incrível é que qualquer pessoa pode escrever esse software. Não é fechado da mesma forma que as finanças tradicionais. Não é perfeito, mas acho que é uma melhoria maciça.

PEARCE: Depois da faculdade, você passou bastante tempo sozinho no norte de Minnesota. Você poderia falar um pouco mais sobre esse período da sua vida?

CARLSON-WEE: Depois de me formar em 2012, eu tinha uma longa tese sobre criptomoedas e não muitas habilidades reais para a economia bruta que estava prestes a entrar. Passei cerca de um ano viajando pelos Estados Unidos, na maior parte do tempo vivendo com uma mochila, uma barraca e um saco de dormir, dormindo nos sofás dos amigos. Estava resistente a pular para dentro de um sistema do qual não necessariamente queria fazer parte. A perspectiva de conseguir um emprego das nove às cinco, pagar aluguel e viver em uma cidade não era muito atraente para mim. Acabei trabalhando como lenhador em uma pequena cidade montanhosa comunal no norte de Washington chamada Holden Village. Não era uma operação comercial de madeira; eu estava literalmente coletando madeira para aquecer a vila durante o inverno. A cidade foi criada em torno de uma mina de cobre, mas faliu e foi tomada pela igreja luterana nos anos 60. Foi cooptada pelos hippies nos anos 60 e 70 e continua sendo um exemplo incrível de uma comunidade voluntária que oscila entre o inverno e o verão com cerca de 60 a 350 pessoas. Era uma vida muito pacífica e tranquila. Depois da minha temporada como lenhador, fui para o norte de Minnesota para ficar na cabana dos meus avós, construída nos anos 40. Eu não vi realmente ninguém por um par de meses enquanto estava lá. Foi quando mergulhei profundamente no assunto e decidi que criptomoeda era o que eu queria trabalhar. Continuei a expandir minha tese de graduação. Também me envolvi na produção de música eletrônica e aprofundei minhas ideias de transumanismo e extensão da vida. Eu estava pensando em maneiras de melhorar o sistema que nos foi legado, que foi projetado para a reprodução e não necessariamente para o bem-estar da pessoa que tem que viver nele. Essa foi a base filosófica para o que eu quero promover no mundo, que não é apenas a redistribuição de recursos por meio da política, mas a resolução dos problemas mais profundos da condição humana por meio da tecnologia. Foi um período muito profundo e intenso que terminou comigo dormindo no sofá de um amigo em Oakland. Foi quando eu enviei um e-mail despretensioso para a Coinbase e disse: "Vou fazer qualquer trabalho". Comecei lá como suporte ao cliente no início de 2013 e o resto é história.

PEARCE: Você pode descrever sua própria visão pessoal do futuro?

CARLSON-WEE: Acredito que seja possível criar tecnologias que nos mantenham ágeis, saudáveis e mentalmente ativos por muito mais tempo do que naturalmente conseguiríamos. Também acredito que seja possível melhorar imensamente nosso ponto de ajuste hedônico, o estado padrão de ser que vivemos todos os dias, com biotecnologia e ferramentas como engenharia genética para melhorar drasticamente o hardware darwiniano com o qual nascemos. Este é o grande projeto em que precisamos nos concentrar. Nunca resolveremos os maiores problemas apenas por meio de soluções políticas que rearranjem a maneira como os recursos são distribuídos. Minha esperança é que a criptomoeda possa ser um substrato financeiro globalmente distribuído e democratizado, e possa desbloquear a capacidade de financiar e pesquisar um futuro que se concentre, não apenas em tornar as pessoas materialmente mais ricas, mas qualitativamente mais felizes e saudáveis. Acho que todo mundo concorda que, uma vez que as pessoas tenham um lugar quente para dormir e comida para comer, o que realmente importa para elas são amigos e familiares e a qualidade de suas experiências, em vez de um aprimoramento adicional das condições físicas de sua existência. Espero que no futuro distante possamos ter felicidade infinita, imortalidade e não precisemos nos preocupar tanto com as condições materiais do indivíduo médio. Espero que possamos chegar a um ponto em que as pessoas possam sentir-se confortáveis com pouco, e não estar nessa corrida de consumo, e ao invés disso, focar em empreendimentos artísticos como cinema, música e realidade virtual imersiva. Essas coisas podem criar experiências sublimes para as pessoas, enquanto trabalham para melhorar o hardware que estamos executando, sendo o hardware nossos corpos físicos. Para mim, a mente é a última fronteira.

PEARCE: Sim. Como transhumanista, acredito em uma civilização de superinteligência, superlongevidade e super felicidade. A era da exploração científica está apenas começando. Mas voltando ao aqui e agora. Todos te conhecem como especialista em criptomoedas. Quais são suas outras paixões?

CARLSON-WEE: Uma das maneiras pelas quais me interessei sobre o que a consciência poderia ser, caso pudéssemos manipulá-la com uma abordagem científica mais rigorosa, foi através dos sonhos lúcidos. Durante nove anos, escrevi meus sonhos todas as manhãs quando acordava e adquiri uma incrível habilidade de controlá-los. O estado de sonho lúcido é notável por duas coisas. Em primeiro lugar, existem regras inatas que damos por garantidas, então coisas como gravidade ou tempo podem ser fortemente manipuladas. E em segundo lugar, você pode manifestar qualquer coisa aos seus sentidos que possa imaginar. Há um incrível ciclo de feedback entre sua imaginação e seus sentidos que não existe quando você está acordado. Espero que mais pessoas possam experimentar isso, porque é incrivelmente poderoso e libertador ser capaz de mapear sua imaginação em seus sentidos. Também estou muito interessado em arte experimental, como produção musical, cinema independente e escrita de ficção, além de ser um patrono de artistas emergentes. Ainda não posso falar sobre isso, mas estou produzindo meu primeiro programa de televisão e estou muito animado com isso. A arte é outra maneira pela qual as pessoas podem se elevar e ter experiências sublimes que expandem sua visão do que é possível. Há um foco incrível em política na sociedade moderna e em qual político está certo ou errado. Não é que não seja importante, é que há outro conjunto de questões sobre o que estamos tentando fazer enquanto sociedade que as pessoas não perguntam muito. Espero que cada vez mais pessoas acordem para a ideia de melhorar maciçamente a condição humana.

PEARCE: Obrigado por compartilhar sua visão.

CARLSON-WEE: É ótimo conversar e desejo-lhe o melhor. E quando digo o melhor, quero dizer, como você costuma assinar seus e-mails para mim, felicidade infinita!

PEARCE: Felicidade infinita para você também!

[tradutora: Barbara Belli, Far Out Initiative]


DP and Olaf Carlson-Wee onstage at Consensus 2023

* * *

more interviews
1 : 2 : 3 : 4 : 5 : 6 : 7 : 8 : 9 : 10 : 11 : 12 : 13 : 14 : 15 : 16 : 17 : 18 : 19


The Hedonistic Imperative
HOME
O Projeto Abolicionista
Neurociência Utopista (Português)
A Revolução da Biofelicidade (mp4)
Reprogramar os Predadores (Português)
Entrevista com Nick Bostrom e David Pearce (Português)
O Que Significa Ser Um Filósofo? (Braz. Port. 2022, 2023)
O Imperativo de Abolir o Sofrimento (Br. Port. 2019, 2023)
Projeto Genético para Criar uma Biosfera Feliz (Br. Port. 2016, 2023)

E-mail Dave
dave@hedweb.com